Participando no Projeto Conhecer a Cidade a turma da professora Ana Paula Câmpoa encenou um teatro de fantoches que conta a lenda do Palácio sem Portas, estranho edifício que existia em Odeaxere, no tempo dos mouros.
A técnica Tânia Fernandes, da Câmara Municipal de Lagos, ajudou a dinamizar esta atividade.
Primeiro leram a lenda, depois construíram os fantoches e, por fim, fizeram o teatro!
O
Palácio sem Portas (1597)
Próximo
de Lagos, no caminho para Odiáxere, houve em tempos uma horta e dentro desta um
estranho prédio alto. Não tinha uma única abertura e tanto janelas como portas
eram fingidas. Telhado, também não tinha. Sobre toda a extensão do prédio
corria uma grande açoteia. Ao que parece, esta extraordinária construção durou
alguns séculos assim, sem préstimo para ninguém.
Aquela
horta pertencia a uma pobre família que nada mais tinha de seu e por isso ali
habitava nuns casebres, procurando viver com o cultivo daquele bocado. Ora
aconteceu que quando se mudaram para lá, a mulher não podia dirigir- se à nora
que não lhe aparecesse um mouro a convidá-la, por acenos, para se aproximar.
Ela fugia ao inquietante convite, mas o mouro vá de segui-la até casa, ou até
que alguém lhe saísse ao caminho.
Durante
muito tempo a mulher ocultou ao marido a história do mouro, mas, constantemente
perseguida, acabou por contar tudo ao companheiro, tanto mais que aquele
negócio a trazia irritadiça e adoentada.
O
marido, que era um homem fino, ouviu o extraordinário relato e viu logo que se
tratava de um mouro encantado, em busca de auxílio. E assim, animou-a e
aconselhou-a a ouvir o que o homem tinha para dizer, uma vez que, face à
miséria em que viviam, podia ser que, com um pouco de sorte, lhes viesse a
caber alguma coisita do tesouro que o mouro devia ter escondido, como ele tinha
ouvido contar de vários casos semelhantes.
Ficou
mais calma a mulher e, um dia, deixou o mouro aproximar-se, prestando-se a
ouvi-lo. E o homem contou-lhe, então, com voz branda e terna, que estava ali
encantado há muito, esperando por quem ajudasse ao seu encantamento. Junto a si
conservava uma fortuna em ouro e pedras preciosas que de bom grado daria a quem
auxiliasse.
-Mas,
o que é preciso fazer para o desencantar? - perguntou a mulher, com os olhos
já a brilhar só de pensar na futura felicidade dos seus.
-É
necessário que alguém mande construir aqui uma casa com janelas às quais
ninguém se assome, com portas por onde ninguém possa entrar e com telhado em
que não se use telha. E, por fim, é preciso que a casa assim permaneça um
século, e só depois seja aproveitada para qualquer coisa.
As
condições desanimaram a mulher. Em primeiro lugar, eles não tinham dinheiro
para construir fosse o que fosse, e depois ia ser a chacota da vizinhança um
prédio sem portas, sem janelas, sem telhado. No entanto, contou tudo, tintim
por tintim, ao marido.
Este
ouviu-a e, por fim, respondeu peremptório:
-Não
há dúvida, mulher! Mãos à obra e construa-se o prédio tal qual como ele o quer!
-Mas,
ó homem, aonde vamos nós buscar o dinheiro para isso?
-Ao
trabalho, está bom de se ver! Ao trabalho e às privações! Trabalha-se enquanto
se puder, hipoteca-se a horta, empenham-se as tuas argolas e os teus brincos…e sempre
a trabalhar! Verás que há-de valer a pena!
E
assim fizeram. Ao fim de algum tempo de duros sacrifícios de toda a família, o
prédio foi construído, exatamente como o mouro recomendara.
Foi
então que ele voltou a aparecer, para grande júbilo da mulher, que nunca mais o
voltara a ver. E nessa altura, levantou uma grande laje que havia no chão, que
ela nunca reparara, puxando-a por uma
grossa argola, pondo a descoberto uma imensa riqueza em ouro e jóias. O mouro
entregou à mulher todos os valores e despediu-se dela, agradecendo
infinitamente o bem que lhe fizera dando-lhe um beijo.
Beijo
de fogo, porém! A infeliz sentiu-se imediatamente uma secura num ardor de
garganta tais que parecia estar a consumir-se em fogo. A partir de então não
conseguiu voltar a ingerir qualquer alimento sólido.
Durante
largos meses sobreviveu a pobre à custa de caldos de leite, num sofrimento
atroz. Por fim, cansada de tanto sofrer, fechou os olhos e deixou-se morrer.
Por algum tempo, marido e filhos choraram a sua morte, mas, como quase tudo na
vida, nestas coisas de sentimentos acabaram por a esquecer. Tanto mais que
estavam ricos e felizes.
Quanto
ao prédio, que como a mulher calculara era motivo de estranheza, continuou
intacto e bizarro mais de cem anos, ao que parece. E não era para menos, já que
os proprietários corriam o risco de ver evaporar a sua fortuna caso o
utilizassem!
Fonte: FRAZÃO,Fernanda,“Lendas
Portuguesas”, Lisboa, Multilar,1988, p.25-29